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INTRODUÇÃO AOS BRIOCHES

     A panificação é um vasto universo. Eu comecei com os incríveis pães de fermentação natural e confesso que um dia cheguei a me dar por satisfeito, não desejando outro tipo de pão. Ledo engano. Cedo ou tarde, todo padeiro apaixonado se verá assando melecas de farinha de todos os tipos, se encantando com as maravilhas que podem sair de um forno. Casca grossa, casca fina, macio, esburacado, folhado, recheado, saudável, indulgente, doce, salgado, redondos, compridos, de forma, de hamburguer, tortas, trançados, enfim, uma infinidade que não te deixa ficar num só tipo.

     Sendo assim, vamos falar um pouco dos brioches, que pertencem ao mundo da viennoserie, onde a panificação se aproxima um pouco da confeitaria, com massas que são enriquecidas com algum tipo de gordura, ovos, açúcar entre outras coisas. O brioche tradicional leva manteiga na massa (incorporada na farinha, diferente da laminação em camadas dos croissants), que é normalmente hidratada em sua maior parte com ovos, mais um restante de água ou leite. No âmbito comercial, é comum encontrarmos brioches feitos com margarina ou gordura hidrogenada, por questões de custo e obviamente sem a mesma qualidade. O teor de manteiga (que varia de 20% até inacreditáveis 100% em relação à farinha) pode dar impressão de um resultado pesado, no entanto, um brioche bem feito é tão leve que dá a sensação de morder uma nuvem sedosa e perfumada. O miolo super macio derreterá sua manteiga assim que entrar em contato com a língua, ou seja, puro prazer. É uma massa bastante versátil, sendo usada para diversos fins: as tradicionais “bolinhas” (brioche “à Tête”), lindas tranças tipo challah, pães de forma (brioche “Nanterre”) ótimos para sanduíches e canapés, massa base para panettones, tortas doces ou salgadas, frituras como donuts e bombolonis, pães de hambúrguer, etc.! Este último é uma das minhas maiores motivações quando faço brioche, é simplesmente perfeito nos burgers, um pão leve que não dificulta a mordida nem interfere no peso do lanche, se molda nas mãos, não amassa ou expulsa os recheios. Veste como uma luva, complementando o paladar sem roubar a cena que não deve ser só dele… seu papel é de coadjuvante essencial, tanto que sem ele eu simplesmente me recuso a fazer burgers em casa. Não é à toa que muitas hamburguerias famosas adotam religiosamente este tipo de pão!

     Antes de continuar, um aviso: devido à manteiga, a massa de um brioche é difícil de se sovar na mão. Tanto que na hora de bolear, trabalhamos ela fria. Mas a principal razão é a importância de se atingir uma alta formação de glúten (ponto de véu) para que o miolo se sustente com a leveza que tanto destaquei. Ou seja, com um pouco de técnica, consegue-se sovar a massa manualmente, porém dificilmente a deixamos forte o suficiente sem o uso de uma masseira ou, no lado doméstico, das batedeiras planetárias e seus ganchos de massa. Portanto, tenha este aviso em mente antes de seguir adiante: diferente dos pães de fermentação natural, no caso dos brioches eu recomendo essencialmente o uso da máquina (assim como em muitos livros por aí afora), por isso as instruções estão direcionadas desta forma.

FÓRMULA BÁSICA

ingrediente % peso
farinha de trigo 100% 665g
água gelada 10% 67g
ovos 50% 333g
sal 2% 13g
açúcar 12% 80g
manteiga gelada maleável 30% 200g
fermento biológico seco 1,36% 9,1g

     A fórmula está calculada em torno de 60% de hidratação, sobretudo por conta dos ovos que possuem cerca de 75% de água em sua composição. Ajuste a água conforme for: a massa não deve ser muito úmida, ainda que grude um pouco nos dedos. Já o teor de manteiga, gosto de 30%. Menos que 20% já começa a sair um pouco da tradição, deixando de ser um autêntico brioche. Acerte o peso total conforme a capacidade do seu maquinário: existe um volume ideal para que a sova aconteça de maneira eficiente. Nos modelos domésticos da Kenwood e KitchenAid, 1400g seria um limite razoável. Mais que isso pode forçar o motor, muito menos tende a fazer com que a massa fique toda grudada no gancho, girando sem efeito. No exemplo acima, temos aproximadamente 1370g, o suficiente para produzir 8 pães de hambúrguer e 2 filões de forma tipo pullman, além de usar redondos 200g de manteiga (facilitando a pesagem pois equivale a um bastão inteiro).

MISTURA E SOVA

     Primeiramente, prepare sua manteiga gelada (e dura), batendo nela fortemente com um rolo afim de deixá-la maleável, facilitando sua incorporação em breve.

manteiga maleável e gelada – testando a alta formação de glúten – a consequente maciez do pão

     Comece com os ingredientes líquidos no bowl, depois a farinha, o açúcar, o sal e por fim o fermento biológico seco. Misture em primeira velocidade com o gancho de sova até incorporar tudo, sem deixar rastros de farinha seca. Neste momento, idealmente, sovamos até atingir um ponto médio, com a massa rasgando sob alguma resistência. Como a massa é relativamente seca, a batedeira pode sofrer e, se for o caso, já adicionamos um pedaço da manteiga para suavizar um pouco. Após cerca de 5 a 10 minutos na segunda velocidade, comece a adicionar a manteiga aos poucos, em pequenos nacos. Não é necessário aguardar cada adição ser totalmente incorporada antes de colocar mais. Só não adicione tudo de uma vez para não desandar o ponto da massa ainda em desenvolvimento. A sova deverá terminar somente quando atingir o ponto de véu: abre-se um pedacinho da massa e ela não deverá rasgar rapidamente, esticando uma película fina e quase transparente (vide imagem). Você perceberá a transformação acontecendo, com a massa começando a sair do fundo, batendo nas paredes do bowl. Dependendo do quão parrudo é o equipamento, é bom fazer algumas pausas de descanso, aproveitando para descolar a massa do bowl e do gancho. O processo todo pode chegar a 20 minutos, dependendo, mais uma vez, do tipo de máquina e também da farinha (por exemplo, as italianas 00 são mais fortes e vão dar ponto mais rápido). Tenha paciência e se familiarize com este ponto, que considero essencial no processo todo.

FERMENTAÇÃO PRIMÁRIA

     Transfira a massa para um recipiente levemente untado com óleo neutro e realize ali uma dobra nos 2 eixos, como um envelope. Se preferir, coloque antes na mesa e faça uma grande bola bem selada embaixo. Vede com um plástico e descanse na geladeira por um período de 2 a 3 horas, quando ela irá fermentar (ganhando volume) e esfriar para facilitar sua manipulação mais tarde.

massa antes (logo após a mistura/sova intensiva) e depois (levemente inflada) do descanso de 2 horas na geladeira

BOLEAMENTO E DESCANSO FINAL

     Diferente dos pães de fermentação natural, o boleamento aqui é mais fácil por se tratar de uma massa mais seca (desde que esteja fria) e também tolerante a erros graças às formas. Porcionamos então a massa conforme cada recipiente. Existe um cálculo de capacidade conforme as dimensões, mas minha sugestão é testar na prática, pois a massa (desde que bem desenvolvida) cresce muito. Apenas 400g preencherão bem uma forma de 22cm de comprimento. Utilize formas altas, de no mínimo 8cm. Enfim, abra a massa na mesa com alguns tapas para desgaseificá-la um pouco, obtendo um formato meio oval. Basta enrolar como um rocambole, começando de cima para baixo, dando as primeiras voltas com a ponta dos 4 dedos e finalizando somente com o dedão, procurando selar firme o fechamento embaixo da mesa. Uma alternativa é dividir a porção em bolinhas e acomodá-las na forma, que deve estar untada. Para fazer bolinhas, use somente uma mão, semi-fechada e “engessada” (sem mexer os dedos), vá girando ela sobre a mesa até bolinha se formar com o selamento embaixo. Para os pães de hambúrguer eu costumo fazê-las com 60g e depois achato com a palma da mão, enfarinhando conforme preciso. Acomode em uma assadeira sobre um tapete de silicone ou folha de papel manteiga.

técnicas de boleamento

     O crescimento final deve durar cerca de 2 horas, variando conforme a temperatura ambiente. Não adiante esta etapa, o volume final chega perto de triplicar. Mandar para o forno muito cedo pode arriscar uma “explosão” dos formatos ao assarem. E não deixe de untar as formas (eu passo manteiga e farinha).

o antes e o depois (os pontinhos na massa são cebolas desidratadas)

ASSAR

     Estes pães são tradicionalmente pincelados com ovo batido para uma casca dourada e brilhante. Eu costumo diluir com um pouco de leite. Se o brioche for para ocasiões mais doces, há quem prefira pincelar depois de assado, com um glacê de açúcar com limão, ou um mix de especiarias (manteiga derretida, açúcar mascavo, canela, noz moscada). No caso dos burgers, temos o clássico gergelim polvilhado após pincelar os topos. Experimente conforme os diferentes propósitos do seu brioche!

boleamento dos pães de hamburguer; crescimento final (pincelado antes de ser polvilhado com gergelim); assado em 20 minutos – 60g cada pãozinho

     Ao assar, o forno deve estar pré-aquecido entre 180 e 200 graus celsius. Muito mais quente irá queimar o exterior do pão antes de finalizar o seu miolo. Retire do forno quando dourar e ouvir aquele famoso som “oco” ao bater no fundo do pão. O tempo de cocção irá variar conforme o peso. Um filão de 1/2kg costuma levar 30 minutos. Se tiver um termômetro de espeto, a temperatura interna na parte mais central do miolo deverá ser de 90°C. Como sempre, resista ao cheiro maravilhoso e espere esfriar antes de cortar!

SEGUINDO ADIANTE

     Ao dominar o brioche básico, não se limite por esta leitura e explore suas diversas possibilidades. Uma sugestão é adicionar 3% de cebola desidratada ao final da sova. Use a sua imaginação! Para aprender a fazer tranças, o melhor é pesquisar pelos diversos vídeos de “braided challah” na internet. Muitos livros também dedicam um capítulo com ilustrações de pães trançados. Recomendo trabalhar com a massa bem fria pois as tranças necessitam mais tempo de manipulação. Outro exemplo é esta coisa maravilhosa chamada “pull apart bread”, onde a massa é aberta com um rolo, sendo pincelada com um mix de especiarias (ou temperos salgados como um pesto), recortada em quadrados que são empilhados e agregados lado a lado em uma forma, para serem depois rasgados a mão (daí o nome), camada por camada. E para os mais indulgentes, o brioche possui uma versão laminada – feuilletée – se aproximando do outro braço forte da viennoiserie, os croissants, que serão o assunto de nosso próximo artigo…

o pão em camadas “pull apart bread”