Uns anos atrás, recebi de presente do Taka um livro que relaciona arco e flecha com filosofia zen, a grosso modo, sob a premissa de um conteúdo valioso pra dar um upgrade na minha escalada. Confesso que fiquei bastante confuso ao me deparar com uma ausência total de dicas concretas de treinamento, mas sim uma abstração filosófica que prega:
“A arte genuína não conhece nem fim nem intenção”
Como assim, escalar sem pensar na cadena? Realizar um movimento difícil sem desejá-lo, mesmo que em contrapartida, cada movimento seja uma questão de vida ou morte? Que papo é esse de espiritualizar a técnica? São questões difíceis de se resolver com meu pensamento ocidental, que jamais atingirá este nível de desprendimento onde sequer existe o mérito próprio, a busca pelo sucesso ou o desejo de não fracassar. Mas uma coisa todos certamente já sentiram: esse estado de não-consciência durante uma cadena, uma dimensão onde não existe o chão, a gravidade, a dor, apenas uma extraordinária presença de espírito em cada fração de segundo que passa. É um momento raro que acredito ser possível somente quando nos expomos verdadeiramente aos nossos limites pessoais.
Todo esse lenga-lenga é para justificar o nome do último projeto liberado no Rubinho: Arqueiro Zen. Diferente do ano passado, nesta temporada a missão era “dar a cara pra bater” (leia-se: procurar as mais perfeitas, raras e duras linhas dessa incrível Mantiqueira!). Missão quase abortada por polias estouradas, mas felizmente tenho conseguido administrar minha escalada com 50% da mão esquerda, compensando com 150% de motivação. Portanto, é uma retomada especial para mim, considerando as atuais circunstâncias.
Excepcionalmente desta vez ganhei fotos minhas escalando (graças à fotógrafa Yuri :-) e os quadros acima ilustram do 3º movimento ao 1º crux. Depois disso ainda tem um dinâmico alucinante. Gostei do cenário retratado, com a galera ilustre dando a vibe, o local é bem bonito, sombra o dia todo sob a centenária figueira. Quanto à recorrente curiosidade sobre o grau, chuto um V11, cheio de dúvidas por estar lesionado e sem referências (ando mais abrindo linhas do que repetindo). Mas uma coisa é certa: nasceu uma belíssima e explosiva linha para a região!
Finalizo deixando outra citação famosa do livro em questão, que descreve a tal fluidez tida como “being in the zone”:
“No tiro com arco, arqueiro e alvo deixam de ser entidades opostas, mas uma única e mesma realidade”